Portuguese women in Toronto's cleaning industry, 1970-1990

Por Susana Miranda,

"Entre os anos 1970 e 1980, as mulheres portuguesas foram responsáveis por grande parte da militância laboral na indústria das limpezas em Toronto. Estas mulheres não trouxeram para o Canadá uma tradição de activismo sindical, uma vez que o regime ditatorial de António Salazar e Marcello Caetano, proíbiu os sindicatos livres e a militância dos trabalhadores. Mas ainda assim, e por variados motivos, elas involveram-se em activismo laboral. Estas mulheres desejavam manter a sua dignidade e serem respeitadas como trabalhadoras imigrantes, o que significava alcançar condições de trabalho mais seguras e um tratamento mais justo por parte dos empregadores. Como esposas e mães, estas trabalhadoras desejavam também obter um salário justo, de maneira a poderem suportar as suas familias de forma mais adequada.
A limpeza de edifícios é um trabalho muito exigente a nível físico. Este esforço , no entanto, não se reflete no ordenado, uma vez que os salários nesta indústria têm históricamente rondado os valores mínimos.  É especialmente esse o caso quando se trata de trabalhadoras femininas, que são pagas menos que os empregados masculinos. Na sua maioria contratadas a prazo, os seus empregos não são seguros. É prática comum entre os donos dos edifícios contratarem empresas de limpeza que por sua vez contratam os trabalhadores, em vez de serem os primeiros a contratarem os trabalhadores diretamente. Isto permite aos donos dos edifícios poupar custos, uma vez que os trabalhadores sub-contratados são pagos menos que os empregados da casa. Para além disso, trabalhadores sub-contratados não têm direito a proteção sindical. Ou seja, quando os trabalhadores de limpeza se organizam, os donos rescindem os contratos com estas empresas e desta forma desmantelam os sindicatos. Em acréscimo, o relacionamento entre trabalhadores e supervisores, a grande parte deles portugueses, são normalmente difíceis. Apesar de estas dificuldades, as empregadas de limpeza portuguesas não se acanharam e lutaram pelos seus direitos no local de trabalho, sendo capazes de se organizar apesar da falta de experiência em activismo laboral.
Em 1975, um grupo de mulheres trabalhadoras de limpeza do complexo de edifícios do Queen’s Park em Toronto decidiu sindicalizar-se, de forma a lutarem por salários mais altos e uma maior proteção contra os despedimentos sem justa causa. Apesar de falarem muito pouco inglês e serem inexperientes em questões sindicais, estas mulheres lançaram-se ao trabalho por sua própria iniciativa. Quando o empregador descobriu esta tentativa de organização, despediu de imediato um dos seus líderes, Leopoldina Pimentel. Depois disso, estas mulheres foram de casa em casa recolher assinaturas de outras colegas que se quisessem unir ao sindicato. O empregador respondeu a este movimento com uma campanha de intimidação que incluíu visitas noturnas às casas desta mulheres, juntamente com o despedimento de muitas delas. Mas apesar destas táticas, as mulheres perseveraram e em Abril de 1975, a Service Employees International Union Local 204 foi certificada como o agente negociador de cento e seis trabalhadores neste complexo predial. Em resposta, o empregador cancelou o contrato com o governo da provincia do Ontário e as mulheres foram despedidas.
Desenrascadas, estas trabalhadoras partiram em busca de aliados que as pudessem ajudar na sua organização laboral e contactaram os assistentes sociais da Casa de São Cristovão (St. Christopher House) – uma agência de seviços sociais e centro comunitário na zona oeste de Toronto. Os trabalhadores da Casa de São Cristovão actuaram como conselheiros e intérpretes, sendo instrumentais na altura de contactar a comunicação social que começou a cobrir a estória destas empregadas de limpeza. Jornais como o Toronto Star e o Globe and Mail, bem como as estações de televisão, focaram as más condições de trabalho e a luta destas trabahadoras para as melhorar. Os seus apoiantes organizaram conferências de imprensa para pressionar o governo, apelando à proteção dos seus empregos. No entanto, após concurso público, o governo ofereceu contrato a uma outra companhia e as mulheres acabaram por ficar sem trabalho.
A pressão pública feita ao governo do Ontário aumentou, obrigando-o a ir ao encontro dos interesses destas trabalhadoras. O governo concordou falar com um representante da nova empresa, pedindo-lhes que voltassem a contratar as trabalhadoras, e concordou também introduzir nova regulamentação. A partir desse momento, as empresas de serviços de limpeza contratadas pelo governo passaram a ter de pagar os salários previamente estabelecido entre o sindicato e a anterior empresa. Aos trabalhadores foi-lhes também garantido o direito a manter os seus empregos e sindicato na nova empresa. Devido aos esforços deste pequeno grupo de mulheres portuguesas, todos os empregados de limpeza em edifícios públicos no Ontário passaram a usufruir destes direitos – em 1995, o governo de Mike Harris removeu estas conquistas laborais.
Em 1979, a Canadian Food and Associated Services Union organizou os trabalhadores de limpeza do prédio de escritórios First Canadian Place, em Toronto, na sua maioria portugueses. Mais uma vez, foram mulheres imigrantes portuguesas a liderarem esta campanha de sindicalização. Anos mais tarde, em 1984, este sindicato, agora chamado Food and Service Workers of Canada, iniciou negociações com o empregador e rejeitou a oferta de aumento salarial de 30 cêntimos/hora (as trabalhadoras exigiam 50 cêntimos). No dia seguinte, duzentos e cinquenta empregadas da limpeza, na sua vasta maioria mulheres portuguesas, entraram em greve, depois de 96% delas terem aprovado esta ação.
O piquete de greve teve características bastante portuguesas. As mulheres cantavam frequentemente e dançavam ao som dos ‘Passarinhos a Bailar’, canção bastante popular nos casamentos portugueses, e entoavam as clássicas palavras de ordem: “o povo unido jamais será vencido.” Estas mulheres também não receavam se envolver em confrontos físicos. Num episódio de violência, as grevistas invadiram o lobby de entrada do First Canadian Place, fazendo aí o seu piquete e gritando as suas exigências. Um representante dos donos do edifício apelou para que estas saíssem desse local uma vez que se encontravam em situação de invasão de propriedade alheia. Quando as grevistas recusaram sair, a polícia foi chamada a intervir e removeu-as do local à força. Foram precisos seis agentes para retirar Lúcia Ferreira, uma das grevistas, e pô-la na carrinha da polícia.
Apenas dez das duzentas e cinquenta grevistas atravessaram a linha do piquete e voltaram ao trabalho, o que demonstra a forte solidariedade partilhada entre estas mulheres, bem como o forte apoio ao sindicato. Esta greve recebeu muita atenção por parte da comunicação social de língua inglesa, particularmente o facto destas trabalhadores da limpeza terem desafiado a exploração económica que sofriam no coração do distrito financeiro mais rico do Canadá.
Após seis semanas em greve, as trabalhadoras da limpeza aceitaram a nova oferta do empregador. Quando o novo contrato foi aceite, Emília Silva, uma das grevistas, gritou ao megafone: “provámos que somos mulheres e imigrantes, mas que sabemos lutar”. Ao realizar esta greve, estas mulheres portuguesas afirmaram o seu direito a serem tratadas com dignidade e respeito no trabalho, e a terem um nível de vida decente.
A noção de que as mulheres imigrantes portuguesas são vítimas passivas e isoladas ainda prevalece. Esta visão simplista não leva em consideração a sua história de luta pela dignidade e justiça no Canadá. Apesar das suas dificuldades com a língua inglesa e a ausência de experiências políticas e sindicais prévias, as mulheres portuguesas trabalhadoras de limpeza foram capazes de vingar os seus direitos no Canadá. Como uma sindicalista Canadiana me explicou numa entrevista, “várias pessoas insensatamente sobestimaram-nas.”

Publicado em Senso Magazine, n. 12, Fall, 2011

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